
O Núcleo de Estudos de Políticas Públicas em Direitos Humanos e o Programa de Pós-graduação de Políticas Públicas em Direitos Humanos (PPDH) da Universidade Federal do Rio de Janeiro manifestam pesar e repúdio à maior e mais letal operação policial do Brasil, iniciada na manhã de terça-feira, dia 28 de outubro, nas regiões densamente povoadas da Penha e do Complexo do Alemão. Embora a pena de morte seja proibida pela Constituição brasileira de 1988, o número de mortes ultrapassa 130. Os mortos são todos moradores dessas regiões, na imensa maioria jovens negros (pretos e pardos, além de quatro agentes policiais). Difícil, diante de um número tão grande, precisar as motivações dessas mortes, afora uma intenção aberta e preparada de um confronto de guerra cujo massacre foi seu resultado esperado. Os moradores dessas comunidades são famílias que precisam diariamente sair para trabalhar e enviar seus filhos para as escolas. O massacre programado não ignora este fato, mas o inclui na sua linha de fogo.
A “necropolítica” do governador Sr. Cláudio Castro se manifesta na lógica colonial de limpeza étnica, com a criminalização das periferias e favelas e a naturalização de execuções sumárias, manejando o ódio e o ressentimento, de modo a governar pelo medo, a crueldade e a morbidez. Além de atacar e criminalizar as vozes do sofrimento, da dor e da busca de outro tipo de política que leve em conta a justiça social, racial, ambiental e a diversidade para o bem viver.
A violência no Rio de Janeiro tem uma de suas origens na crise da economia mundial, que se estende há muitas décadas. Já não se encontram postos de trabalho e uma parcela significativa de jovens vai vendo sua vida se esvaziar entre a falta de empregos e a evasão escolar. Quanto mais essa crise, que envolve a sociedade num lento e contínuo colapso, se aprofunda, mais os horizontes de expectativas de futuro dessa parcela da juventude se encurtam. Os dilemas familiares e as angústias desses jovens não serão confortados nem resolvidos com ações que fazem da violência decorrente da quebra dos laços sociais o motivo de desproporcional e redobrada violência do Estado. Quando um governador decide por uma ação de tal natureza, pressupõe que essas vidas não merecem ser vividas. Na sua ordem, as mortes decorrentes são desejadas. Dizer que ao decidir a partir dessas intenções, o governador despreza o direito de viver de criança, mulheres, jovens desesperados e adultos engajados em trabalhos precários e mal remunerados, cidadãos como outros, é dizer pouco. Porque na verdade, o que ele despreza também são direitos inscritos nas constituições de povos do mundo inteiro desde 1776. Ele despreza o que fez da sociedade e do Estado Moderno algo diferente do arbítrio e dos privilégios reinantes no passado. Nas declarações de Direitos Humanos que se seguiram desde o século XVII, e marcaram o fim da Segunda Guerra Mundial, com a Declaração da ONU de 1948, estão princípios elementares de como as leis devem proteger a vida de todos(as), independente de raça, classe, sexo ou nação. O que o governador faz é declarar uma guerra de massacre contra esses cidadãos.
Para o Núcleo de Estudos em Direitos Humanos (NEPP-DH) e para o Programa de Pós-graduação de Políticas Públicas em Direitos Humanos (PPDH) da Universidade Federal do Rio de Janeiro, ao afirmar que a organização do tráfico e o comércio ilícito de drogas configura um grupo de “narcoterroristas”, o sr. Claudio Castro usa o Estado e usurpa estas vidas para fins meramente ideológicos e eleitoreiros. Não é uma novidade o fato de que esta mesma caracterização é usada pelo atual presidente dos EUA para legitimar ações ilegais de bombardeio a barcos na América Central, e que as ações da manhã de 28 estejam em sincronia com o deslocamento do maior porta aviões do mundo para esta região e com a intenção de avançar nestas agressões. Como se vê, não é apenas uma declaração de guerra contra civis, mas de guerra contra a soberania do Estado brasileiro, que interrompe mais de uma centena de vidas negras e periféricas.
Manifestamos nossa solidariedade aos familiares das pessoas assassinadas e esperamos que os agentes causadores desse massacre sejam devidamente responsabilizados.
